A menina Síria


Publicado em 3 de abril de 2015

“Então foi na Síria. A criança confundiu uma câmera fotográfica com uma arma de fogo. O fotógrafo só queria registrar aquele momento e a menina ergueu os braços para o céu num gesto de rendição. Um amigo meu disse que lá é o mundo Árabe, sempre teve violência, então não sabe o porquê das pessoas ficarem surpreendidas com a reação da menina.

Só o fato de alguém se comover com isso já me deixa feliz. Demonstra que ainda resta gente com um mínimo de sensibilidade para o rumo que a humanidade está tomando. Olhando para os olhos daquela pequena criança senti o rancor do mundo me gritar. O individualismo, a frieza, o ódio me atravessaram como uma flecha. Não concordo com o meu amigo. Mundo Árabe que nada. A violência está tomando o mundo como um todo. As atitudes das pessoas no dia a dia estão cada vez mais tomadas de ódio. O confronto está a flor da pele. São torcedores fanáticos de times de futebol que se digladiam em arquibancadas e ruas sempre deixando um rastro de sangue por onde passam, a troco de absolutamente nada, apenas violência pela violência. A paciência cada vez menor no trânsito onde qualquer fagulha pode deflagrar discussões homéricas e brigas que deixam mortos pelo caminho. O homem que bate na mulher covardemente causando a ira entre famílias. Os confrontos entre opositores em manifestações políticas cada qual se achando o dono da verdade.

As estradas cada vez mais parecendo um campo de batalha, um campo onde impera o salve-se quem puder, que mata por ano, no Brasil, mais gente que uma guerra propriamente dita. As palavras de alguns religiosos que muitas vezes incitam a intolerância perante outras religiões em vez de difundir a paz. A desunião, a vaidade. A ganância, a difamação. O roubo, a indiferença. A homofobia, o preconceito de todos os tipos. O trote em faculdades onde pensava-se que só haviam pessoas cultas e estudadas e ao contrário encontramos bichos irracionais que tratam os calouros com atos de torturadores natos. Os assassinatos não solucionados. A corrupção, o tráfico. A fome, a miséria. A tolerância com a morte, assistida e repetida insistentemente, diariamente, nas telas brilhantes de nossas televisões. As redes sociais difundindo todo tipo de cegueira moral. A imprensa calhorda dominada por meia dúzia de famílias que desvirtua fatos e esconde a verdade da população. Olhando para menina Síria tenho vontade de sair de casa todos os dias de mãos para o alto, rendido a esse mundo que insiste em andar torto e errado”, pensou o Dr. Ricardo Reis, entre uma consulta e outra em seu consultório especializado em traumatologia.

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