Refúgio


Publicado em 19 de setembro de 2015

Você já teve a oportunidade única de abraçar uma criança de dois ou três anos de idade?

Meu filho está com dois anos e sete meses. Ele me abraça, ele me beija, ele me faz carinho, ele me observa, ele aperta minhas bochechas e me chama de papai fofinho. Ele me imita. Ele canta alto, conversa com os bichos, corre, brinca de esconde-esconde, chupa manga e fica com a boca toda lambuzada. Ele também chora, faz birra por coisas bobas. Meu coração sorri quando ele diz palavras erradas: Cicaba é Piracicaba, poqueca é panqueca, macia é bacia. Bernardo está brincando de viver. Sua inocência é pura. Ele não faz juízo de valor. Ele não diferencia o pobre do rico, o preto do branco, o glamoroso do feio. Você já ouviu uma criança nessa idade sorrindo?

Quando me deparei com a fotografia de Alan Kurdi, de três aninhos, morta naquela praia Turca, congelei. Perdi o chão. Chorei! Foi e está sendo no dia-a-dia um soco no estômago, um tapa na cara. Não consigo esquecer. Aquele corpinho ainda vestido, como se tivesse sido preparado para ir há alguma festinha, ao parquinho, pra escolinha. Os sapatinhos ainda nos pés como que resistindo à bravura do mar gelado e querendo seguir adiante. A cena é de tamanha crueldade que a vontade é de gritar socorro! A vontade foi de levar uma coberta para aquecer aquele corpinho desolado. Vi na face de Alan, escondida pela areia da praia, o rostinho do meu filho. Vi ali todas as crianças, igualmente inocentes e vítimas das mazelas do mundo. Senti através da imagem a impotência cruel de não poder ajudar. Quantas crianças morrem diariamente? No Brasil e mundo afora elas morrem vítimas de bala perdida, vítimas da violência doméstica, vítimas da precariedade (de um mínimo de dignidade para viver), vítimas da fome. Eu vi todas elas estampadas no corpinho daquela criança Síria. Daí, para mim, a imagem ser emblemática. Ela nos retrata.

Deixo a minha indignação, a minha revolta por saber e constatar, infelizmente, que o ser humano ainda tem muito, mas muito mesmo para aprender, se é que esse dia vai chegar. Não conseguimos até hoje, em momento algum, viver em paz plenamente. Nossos livros de história são uma sombria realidade, vivemos constantemente em guerra vitimando milhares e milhares de inocentes. A ganância, o extremismo, a irracionalidade ainda são a pauta do mundo. Refugio-me no abraço apertado do meu filho e clamo por dias melhores.

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