Causos de Moleques do Bate-Pau
Publicado em 18 de dezembro de 2015
O moleque de Bate-Pau ganhou de seu tio uma corneta da buzina a ar do caminhão, porque a mesma foi furada com uma pedrada na estrada.
Pra quem foi moleque em épocas de vacas magras, sabe que uma corneta furada era um brinquedo precioso. Para que a mesma “tocasse” era necessário tapar o furo com o dedo e soprar fazendo o tradicional barulho de pum.
Estes segredos tornavam a corneta especial, pois muitos apenas sopravam, e não saia som algum, outros que sabiam que tinha que tocar como se toca berrante não sabiam do furo, portanto também não conseguiam tocar, apenas o moleque sabia tirar uma nota da corneta.
Nos anos 80, todas as tardes a carrocinha de pães do Braz de Moraes circulava pela casa própria, vendendo pães, leite e doces. Então quando o Braz tocava a sua corneta dando dois silvos breves, era o sinal para as donas de casa, munidas de suas cadernetas de fiado saírem pra rua para comprarem os itens para o café da tarde.
Percebendo que o toque do Braz dava para ser imitado com a corneta furada, o moleque de Bate-Pau esperou chegar perto das duas da tarde, montou em sua Monareta azul calcinha comprada de segunda mão na bicicletaria do Jair, e saiu pelas ruas do Jardim Iracema soprando duas vezes a corneta, esperando as mulheres saírem com a caderneta na mão. Ele dava risada pela pegadinha aprontada e continuava com sua molecagem.
Assoprou no começo da rua 1, e viu a Terezinha e a dona Rita procurando o Braz mas não encontrando. Feliz com o resultado, ele pedalou algumas quadras sem chamar a atenção porque estava passando em frente a sua casa; era melhor ter prudência para não ter que enfrentar o chinelo da mãe, chegando perto da rua 10 ele parou a bike, assoprou e comemorou ver as mulheres bravas com ele. Na rua 11 também tocou a corneta imitando o Braz, e ao ser descoberto pedalou sorrindo, não sem antes ouvir uma voz dizendo – É o filho da Toninha, deixa que depois eu falo pra ela dar um jeito neste moleque. Na rua 5 ele tocou a corneta um pouco ressabiado, pois sabia que estava perto da casa da Lali, que era praticamente uma mãe para ele. Nem esperou para ver se saia alguém e subiu rapidamente a rua 8, e a mulher do Dito Palitó já estava com a caderneta na mão, e brava porque foi enganada, a dona Alice saiu olhou para baixo, olhou para cima, não viu a carroça de pães, e voltou para seus afazeres.
Na rua 7 a dona Alaíde com a caderneta na mão, ficou uma fera com a peraltice. Então o moleque pedalou a Monareta com muita força para voltar para rua 5 onde estava mais “seguro”, não sem antes soprar mais duas vezes ao sair da rua 7 e ver a mãe do Celsão balançando a caderneta e dizendo algumas coisas que o moleque não compreendeu, mas ficou olhado para trás para ver o resultado da traquinagem.
Mas esta olhada pra trás foi um erro que ele não poderia ter cometido.
Bairro novo tem obras por toda parte, e justamente naquela manhã, em frente à casa do Rubão inventaram de escavar uma enorme cratera para fazer um sarjetão.
Quando o moleque percebeu o monte de terra no meio da rua, largou a corneta para tentar frear, mas não deu tempo. Quando a roda da frente tocou no obstáculo, o moleque tentou uma empinadinha para suavizar a batida, mas ele estava muito rápido e caiu com a magrela indo parar literalmente no fundo do poço. Como desgraça pouca é bobagem, a Monareta veio para o buraco logo atrás dele, e o manete do freio bateu em sua testa dois dedos acima do olho direito, fazendo o sangue escorrer rapidamente pelo rosto, avermelhando a camisetinha branca, toda surrada e esgarçada do Bradesco.
Nesta hora o moleque não ria, apenas chorava com medo. Apavorado por ver o sangue jorrando pela testa; com medo por estar dentro de um buraco que parecia gigantesco, e apavorado por não saber se conseguiria sair dali sozinho, como ele já havia virado a rua, ninguém o viu cair na valeta. Porem no auge de seu desespero infantil, o moleque viu a figura de um anjo que foi ao seu encontro socorre-lo.
Uma mulher entrou no buraco, amparou o moleque para ele se levantar, e tirou ele e sua bicicleta toda torta do buraco, ela o levou para a casa dela, lavou a testa do menino, tentou tranquiliza-lo dizendo que o corte não havia sido muito profundo, e que o moleque de Bate-Pau tinha tido sorte por que se não fosse pela buzina do Braz ela não teria saído no portão, e não teria visto o garoto cair no buraco.
Com o sangue da testa já estancado, lá foi o moleque procurar sua corneta furada, e de longe viu a mesma toda prateada brilhando na borda do buraco, bem ao lado de uma caderneta do Braz toda suja de terra. O moleque pegou os objetos, e foi devolver a caderneta que a senhora havia deixado durante o socorro, devolveu o bloquinho e foi embora empurrando a Monareta azul calcinha toda torta pela rua 4, mas ao chegar em frente à casa da dona Olga, a tentação foi muito forte e assoprou novamente a corneta furada. Coisas de moleque . . .
Túnel do Tempo
A Monareta do Dô da Dú não era azul calcinha, tirando isto era praticamente igual à da história do Moleque de Bate-Pau de hoje.
Neste retrato de 1982 vemos o Dô da Gi e do Bermiro pedreiro passeando de bicicleta na rua 1(hoje João Casimiro) do Jardim Iracema. A casa própria havia sido entregue a pouco era uma festa só. Ao fundo podemos ver os pedreiros erguendo o muro da casa do Simão da praça.