História: A Fazenda Iracema e o centenário do nome “Iracemápolis”


Publicado em 27 de maio de 2023
Angelo Denadai

Angelo Denadai

Caro leitor, o objetivo desse texto é contar um pouco da história do nome de Iracemápolis. Sempre me perguntei como e quando surgiu esse nome, quem o “inventou” e o porquê. Não temos respostas conclusivas para todas essas perguntas. Abordaremos abaixo algumas informações concretas e algumas suposições, que possibilitarão uma compreensão sobre a origem do nome, que completa, neste ano de 2023, o seu centenário, ou, dito de outra forma, um século de sua criação. Inevitavelmente, também trataremos um pouco da história da Fazenda Iracema.

É sabido que nossa cidade se desenvolveu a partir da pequena vila que se formou no entorno da Capela de Santa Cruz da Boa Vista. A data exata da construção da capela ainda é desconhecida, em princípio foi nos primeiros anos da década de 1890. O conhecimento histórico, repassado verbalmente ao longo do tempo, é de que um suposto fazendeiro chamado José Emídio teria doado um pequeno pedaço de terra para a construção da referida capela. Até o momento não são conhecidos documentos oficiais que comprovem ou elucidem essa história, nem quem foi José Emídio. Por outro lado, também não há documentos conhecidos que nos instiguem a duvidar dela.

O fato é que, ainda na década de 1890, temos vários documentos oficiais com registros dos nomes “Santa Cruz da Boa Vista” e “Bate Pau”, como por exemplo, em 1895, com publicações da criação de duas escolas, uma masculina e outra feminina, no Bate Pau, e em 1896, quando o Diário Oficial do Estado de São Paulo do dia 19 de julho registrou, na seção de ofícios despachados, um ofício da Câmara Municipal de Limeira “pedindo que seja creado um districto policial em Bate Pau, na povoação de Santa Cruz da Boa Vista” (sic). Aqui vemos, no mesmo documento, as duas formas como era chamada a povoação, Bate Pau e Santa Cruz da Boa Vista. O distrito policial foi criado cinco anos depois, em 21 de maio de 1901, e o decreto que o criou usou o nome de Bate Pau.

Voltando ao objetivo do texto, vamos falar sobre o nome Iracemápolis, que surgiu, ou podemos dizer que “foi inventado”, em 1923, quando da criação do Distrito de Paz.

As lideranças políticas locais decidiram propor a criação do distrito no final de 1922, e pretendiam dar-lhe o nome de Santa Cruz da Boa Vista, o que pode ser verificado em publicação do Correio Paulistano de dezembro daquele ano. Quando apresentaram o projeto, através do Deputado Samuel de Castro Neves, político da vizinha cidade de Piracicaba, este propunha o nome “Distrito de Paz de Bate Pau”. O Projeto de Lei n° 6 de 1923, entrou em tramitação na Câmara dos Deputados do Estado de São Paulo em agosto de 1923, com esse nome. E aqui começam nossas questões sobre a escolha. Se a povoação tinha duas denominações conhecidas, por que escolheram Bate Pau, e não Santa Cruz da Boa Vista, que era a ideia original? Bem, isso não se sabe ao certo. Supostamente foi pelo fato de que já havia outras várias localidades no Estado de São Paulo com esse nome. Já existira inclusive outro Distrito de Paz de Santa Cruz da Boa Vista, criado em 1894, no município de Rio Claro, porém modificado em 1906 para Ipojuca, e em 1944 para Ipeúna, atual município de Ipeúna. Ou seja, já não era empecilho formal para o nosso distrito ter esse nome. Havia também outra vila e distrito policial com nome de Santa Cruz da Boa Vista no município de Santa Rita do Passa Quatro, que quando pleiteou por se transformar em distrito, 1896, teve que mudar o nome para Santa Cruz da Estrela, provavelmente porque nesse período ainda existia o distrito de Santa Cruz da Boa Vista em Rio Claro. Esse distrito acabou sendo criado com o nome Santa Cruz da Estrela, e ainda existe com esse mesmo nome.

Bem, o fato é que, descartado o nome Santa Cruz da Boa Vista e, após ter dado entrada e tramitado com o nome de Bate Pau até a segunda discussão do projeto, em 10 de outubro daquele ano, no momento da segunda votação na Câmara do Deputados, surge uma emenda do Deputado Procópio de Carvalho, mudando o nome para “Iracemápolis”. Não encontramos documentos que expliquem ou justifiquem a mudança e a escolha desse nome. Daqui para frente o que podemos é supor. Provavelmente havia quem entendesse que o nome Bate Pau era inadequado e, prevendo o desenvolvimento do distrito e futura emancipação, seria melhor escolher outro nome.

E por que Iracemápolis? Sabemos, sem qualquer dúvida, que foi em referência à Fazenda Iracema, propriedade desmembrada da Fazenda Morro Azul na década de 1870, e que foi fundamental para a formação da vila. A gleba de terras onde foi construída a capela divisavam com as da Iracema e, não só essa propriedade, mas também o seu entorno, podem ter feito parte dessa fazenda e, se não da Iracema, desmembrada em 1870, sabemos com certeza que fez parte das terras da Morro Azul, quando de sua constituição original.

A fazenda Iracema pertenceu à família Jordão até 1905. Seu fundador, o Coronel Silvério Rodrigues Jordão (Júnior), havia falecido em 1901, e a viúva, Dona Gertrudes de Araújo Jordão, endividada e tendo que pagar seus credores, teve a fazenda colocada a leilão. Quem arrematou foi uma grande empresa exportadora de café, a Theodor Wille, com negócios no porto de Santos, e dona de inúmeras outras grandes propriedades rurais nessa época. Como curiosidade, a Theodor Wille, de origem alemã, ainda existe, e você a conhece hoje como TWI, uma grande empresa global.

Em 1923 a Theodor Wille vendeu a fazenda Iracema. Essa venda ocorreu no mês de março, apenas cinco meses antes da entrada do projeto de lei para a criação do nosso distrito. Os compradores foram os irmãos Levy, representados pelo Coronel José Levy, banqueiro e fazendeiro respeitado, também proprietário da importantíssima fazenda Ibicaba, em Cordeirópolis, e em cuja família havia influentes lideranças políticas, como o seu sobrinho e homônimo, Major José Levy Sobrinho.

Para que a criação do distrito fosse aprovada, havia algumas exigências, como as suas divisas regularmente traçadas, e aqui cabe mais um registro interessante, de que as divisas do distrito criado utilizavam o ribeirão dos Coqueiros, até sua maior cabeceira, ao lado da sede da Fazenda Quilombo, num trecho do referido ribeirão que atualmente é denominado Águas da Serra. Isso mostra que, em algum momento da nossa história, a divisa foi modificada, reduzindo o tamanho do futuro município.

Também era necessário a existência e disponibilidade de um edifício apropriado para o funcionamento do Juízo de Paz, e essa exigência era atendida. A sede da vila contava, segundo ofício enviado pela Câmara Municipal de Limeira, com 83 prédios e o território do futuro distrito possuía quase 4.000 habitantes.

Era necessário ainda ter um cemitério. E aqui entram em cena o Coronel José Levi e sua família, e a Fazenda Iracema. Foi num canto dos extremos das divisas da recém adquirida fazenda que ele doou um terreno para a construção do cemitério, que é onde está até os dias atuais, expandido por novas doações da Usina Iracema, atual proprietária. A Família Levy teve a posse da Fazenda Iracema por um curto período, de apenas 14 anos, tendo a vendido para a família Ometto no início de 1937.

Como citado acima, e já percebido pelo leitor, não temos respostas conclusivas para todas as perguntas. Mas de todos os fatos relatados, é possível depreender que, pela importância da Fazenda Iracema na época, pela possibilidade de as terras da vila terem surgido em terras que antes a pertenceram, e pela grande influência política da família Levy na região, diante da necessidade de se criar um nome que bem representasse o novo Distrito de Paz, de Iracema surgiu Iracemápolis.

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