Por falta D’ água

Ai meu Deus, lá vêm eles de novo! Lá vêm eles de novo! Leitores (as) as manchetes pululam em jornais, tvs, revistas e internet: Crise da água em São Paulo: Quanto falta para o desastre? O que acontecerá com as torneiras de São Paulo – e o que ensina a pior crise de água da maior metrópole do país. De roupão, moradora protesta contra a falta d’água em Itu. Cidades no interior de SP furam poços para evitar falta de água. Estiagem em São Paulo é a pior desde 1930, e comitê cobra ações do governo. Parte de represa seca, e Iracemápolis faz estudo para evitar o racionamento. Depois da última gota, por falta d’água não escovei os dentes ao acordar e nem fiz o café ou chá. O banho matinal também não aconteceu por falta d’água. Ir ao banheiro sem água nem pensar.

Por falta d’água a consulta ao dentista foi cancelada. A fonte que embelezava a praça da matriz está empoeirada, suja, por falta d’água. Os carros que antes eram um termômetro das classes sociais, sendo os mais novos e mais caros a mais pura demonstração do status social, não da dignidade, estão hoje muito parecidos, imundos, devido à falta d’água. Nas escolas as crianças foram dispensadas por falta d’água. As chácaras, recintos de tantas festividades, de tantas comemorações, alegrias, lazer, estão abandonadas e as piscinas não passam de buracos cheios de folhas e terra por falta d’água. Por falta d’água o prefeito decretou estado de calamidade pública e mandou anunciar nos alto-falantes da caixa d’água, que no momento se encontra vazia e seca, o falecimento de todas as represas que antes armazenavam água para consumo dos munícipes: Atenção para esta nota de falecimento.

Faleceram hoje as represas: Municipal, Iracema, tanque-novo, Paramirim e Boa vista. Os peixes dessas águas por lá já não habitam. Morreram todos estatelados debaixo do sol escaldante. Os animais ou morreram ou migraram para outras regiões. No céu azul nem uma simples nuvem. Por falta d’água a Usina açucareira fechou as portas. Quarenta e cinco mulheres acusadas de lavar suas calçadas, três vezes por semana, sofreram ataques de pessoas revoltadas com a falta d’água. O padre cancelou a missa e convocou imediatamente uma procissão para pedir e orar por chuva. Isso para os que ainda não enlouqueceram pela falta d’água. Já não se identificam pobres, ricos, palmeirenses, corinthianos, japoneses. Tudo virou uma coisa só por falta d’água. O que existe agora é uma massa de gente suja, imunda, emporcalhada andando pelas ruas. O cheiro é insuportável. As pessoas estão ficando doentes devido à secura. Por falta d’água muitas pessoas fugiram.

Sobreviventes, alguns cachorros magricelas perambulam pela cidade arrastando-se em suas carcaças. “Por falta d’água perdi meu gado, morreu de sede meu alazão”.