Só sei do que não gosto


Publicado em 17 de julho de 2015

Não existe fórmula para definir o que é belo e o que é feio, mas algumas coisas me parecem óbvias. A feiura está sempre fora da coisa em si: uma mulher bonita que não lê, um mestre que não se importa com sua aula, um trabalhador que chega ao serviço com a enxada em mau estado. A beleza, ao contrário, está intrínseca. Ela não foge à regra. Por exemplo: todo “bom dia” é bem visto, independente de quem vem. Toda pessoa que sorri. Até no rabinho do cachorro ela se manifesta. A beleza é dona de quem a tem.

Uma verdade é digna de nota: a concepção de belo e feio não passa pelos olhos, mas pelo coração. Qualquer criança, ao ler “O Pequeno Príncipe”, de Antoine de Saint-Exupéry, aprende essa lição e a carrega para toda a vida.

Em meu caso, o estereótipo que tinha de feiura na infância tornou-se mais tarde minha noção de beleza. Devia ter uns 13 anos quando entendi que o belo está na deformidade do acaso, nos bebês quando se alimentam, nos enfermos que recebem ajuda ao se levantar, nos cachorros que não distinguem os da própria espécie — e é justamente a espontaneidade do bicho que mais o difere dos homens, tão acostumados a separar as pessoas.

Entendi, então, que a beleza transita por caminhos irracionais. E a feiura, ao contrário, é uma coisa pensada.

Em resumo: não sabemos por que achamos uma coisa bonita, mas compreendemos por que não gostamos de outras. Em “O Teatro dos Vampiros”, música do disco “V”, de 1991, a Legião Urbana, em letra de Renato Russo, resumia o assunto assim: “Acho que não sei quem sou, só sei do que não gosto”.

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