Vamos falar de Herança Digital?
Publicado em 17 de dezembro de 2021
O conceito de herança digital abrange o acervo de bens e direitos publicados, usados ou guardados em servidores, plataformas virtuais ou cloud computing (nuvem), como áudios, arquivos de texto, e-mails, e-books, imagens, assinaturas digitais, jogos on-line, senhas de acesso, entre outras mídias e conjuntos de dados publicados e/ou armazenados.
Atualmente, o instituto não possui amparo específico no ordenamento jurídico brasileiro, no que tange a sua regulamentação e transferência. Em contrapartida, o referido assunto, a cada momento atinge maior proporção diante da sociedade globalizada. Confirmada a morte do titular/usuário da internet, surge a indagação de qual seria a destinação da sua herança digital, situação essa que demanda tutela jurisdicional a ser observada caso a caso, aplicando de forma análoga e extensiva as normas sucessórias do Código Civil.
Ocorre que, em sua grande maioria, as heranças digitais deixadas, possuem apenas valor sentimental, e por isso não se enquadram na espécie de bens incorpóreos admitidas em lei, não podem fazer parte do acervo hereditário de uma pessoa e nem constar na lista de bens partilháveis a serem transferidos aos seus sucessores, desta feita, não são tutelados pela legislação atual.
Mesmo diante da recente entrada em vigor da Lei 13.709/2018 – Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), embora represente enorme avanço na tutela dos direitos fundamentais de liberdade e de privacidade, bem como do livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural, perdeu-se a oportunidade de regular a proteção de dados pessoais de titulares falecidos, deixando de fora do texto da referida lei o tratamento de dados post mortem.
Por isso, enquanto não houver legislação pertinente, as grandes plataformas digitais permitem o cancelamento de perfis mantidos por usuários falecidos, mas o acesso e/ou gerenciamento das contas ainda não possui regras uniformes.
Com relação aos bens sem mensuração patrimonial, permanece nebulosa a sua destinação, vez que esse conjunto de dados não sustenta, por si só, a composição do interesse sucessório de uma eventual partilha quando não registrado em testamento válido.
Os bens digitais, quando dotados de valor nitidamente econômico (atividades econômicas desenvolvidas em espaço virtual), enquadram-se perfeitamente ao conceito de patrimônio para fins de compor a herança, configurar o espólio e ser admitido dentro de eventual partilha, em conformidade com o disposto sobre o tema na legislação civilista. Por possuírem valor intrinsecamente econômico, compõem de maneira inconteste o patrimônio pessoal do usuário e por isso devem integrar o espólio para fins de sucessão hereditária.
Sendo reconhecida como concreta a possibilidade de transferência do acervo digital de usuário falecido aos seus familiares, por serem detentores dos direitos sucessórios, com base em uma interpretação lógica e extensiva das normas vigentes, caso não seja da vontade do usuário que seus familiares tenham acesso aos seus dados privados virtuais quando do seu falecimento, é necessário que seja elaborado testamento que disponha acerca de seus ativos digitais, de forma diversa aos trâmites de praxe.