Veja, tem uma fazenda ali!
Publicado em 20 de março de 2015
Um dia, ao passar pelo aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro, o jornalista Otto Lara Resende levou um susto. Estava com o escritor Nelson Rodrigues e, embora passasse ali todo dia, não podia acreditar no que via. Bem a sua frente estava uma coisa da qual nunca se dera conta. Era o Pão de Açúcar! “Veja, tem um bondinho ali!”, teria dito. E foi daí que nasceu a expressão “óbvio ululante”, criada por Nelson para situações como essa, quando algo está na cara e há quem não note.
Essa história é famosa e já foi relatada por muita gente. Só na Folha de São Paulo já a li duas vezes, em textos de Tostão e Ruy Castro. Esse último conta que, ao se ver diante da pedra, Otto meteu o pé no freio, rodopiou e parou no meio da pista. Saiu incrédulo do carro: “Não é possível, não estava ali ontem!”. Algumas pessoas até foram acudi-lo, tamanho o espanto. E Nelson concluiu: “Por anos, o Pão de Açúcar, de tão óbvio, passou despercebido por Otto. Era como se não existisse. Mas, um dia, ele o enxergou. Era o óbvio ululante”.
Por analogia, esse caso pode ser usado para muitas coisas que saltam à vista, mas não nos damos conta, mesmo que imponentes. Parecem até sem importância. Aqui mesmo, em nossa região, há paisagens belíssimas que de tão rotineiras se tornaram comuns.
O mesmo vale para patrimônios históricos. Quer um exemplo? As três fazendas que nos rodeiam: a Santa Gertrudes, a Ibicaba e a Morro Azul. São tão bonitas! A importância histórica, arquitetônica e cultural delas é enorme, mas há quem sequer admita.
A impressão que dá é que muita gente, inclusive autoridades, ao ver uma foto ou passar diante de uma, se indigne: “Veja, tem uma fazenda ali!”.