Vidas Secas


Publicado em 12 de setembro de 2014

Ai meu Deus, lá vêm eles de novo! Lá vêm eles de novo! Leitores (as) eis um trecho de Vidas Secas, obra de Graciliano Ramos: “E andavam para o Sul, metidos naquele sonho. Uma cidade grande, cheia de pessoas fortes. Os meninos em escolas, aprendendo coisas difíceis e necessárias. Eles dois velhinhos, acabando-se como uns cachorros, inúteis, acabando-se como Baleia. Que iriam fazer? Retardaram-se temerosos. Chegariam a uma terra desconhecida e civilizada, ficariam presos nela. E o sertão continuaria a mandar gente para lá. O sertão mandaria para a cidade homens fortes, brutos, como Fabiano, Sinhá Vitória e os dois meninos”.

O trecho acima mostra a visão que os retirantes sertanejos tinham da cidade grande, da civilização. Tal era a precariedade do lugar onde habitavam, tal era a pobreza do lugar, a seca, que tinham medo do que encontrariam na cidade grande: “Meninos em escolas aprendendo coisas difíceis e necessárias”. Esses meninos (as) somos todos nós, civilizados, estudados, onde Deus privilegiou com a abundância das coisas.

Hoje, porém, é preciso abrir aspas para tratar de tal assunto. Os meninos civilizados parecem não ter aprendido corretamente a lição. A estiagem que cobre o estado mais rico e “desenvolvido” do país, demonstra o quanto são frágeis mesmo aqueles que aparentemente são inteligentes, estudados e ricos. Com todos esses adjetivos maravilhosos não foram capazes de se preparar para um fenômeno natural que batia à porta e se anunciava constantemente. É triste perceber o quanto, por mais esclarecidos que sejam, esperam as coisas chegarem a um ponto máximo de tolerância, até explodir. É assim com o ônibus lotado, é assim com as casas em local de risco, é assim com a exploração predatória da natureza em geral. Muitos acreditam na velha mentalidade do “não, com a gente jamais irá acontecer”.

Acontece sim. O Rio Piracicaba está à beira da morte. O rio Ribeirão Preto está no menor nível desde 1941. O sistema Cantareira faleceu. Nossas represas agonizam. O pior é saber que se amanhã vier uma chuva abundante para mais uma vez no salvar no último minuto, muitos virão com a frase feita: não disse! E assim caminha a humanidade, vivendo e muitas vezes não aprendendo. Vamos continuar poluindo nossos rios, desmatando nossas florestas, e jogando a culpa uns nos outros. O grande filósofo Thomas Hobbes, em sua obra Leviatã (1651) afirmou o seguinte: “O homem, sem predadores naturais, torna-se o lobo de si mesmo”. Quem sabe amanhã sejamos nós os retirantes? Da cidade, do estado, do país, do planeta.

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