Defendendo o próprio umbigo
Publicado em 13 de maio de 2017
O Cidadão vai até a Igreja e lá se ajoelha para rezar. Semblante calmo, diria até sonhador. Naquele ambiente ele sente-se purificado. A paz ganha o seu coração. Seu olhar complacente convence até o mais desconfiado dos homens. Ele repete as lindas palavras que vem do altar. Ouve com respeito e orgulho o sermão do padre ou pastor. Olha para o seus com benevolência. Sente o espírito leve. Emociona-se com a irmandade. Tem vontade de multiplicar o amor que sente no peito. Exala bondade. Sente-se caridoso. Pensa no quanto é importante ser humilde. Acha-se um samaritano nato. Olha para a imagem de Jesus na cruz e pensa no profundo amor de Deus.
Esse mesmíssimo ‘santo homem’ já não se encontra na casa do senhor. Ele agora está em sua casa, em frente ao computador e está prestes a acessar a internet. Ao contrário do convívio social da igreja, a rede social que agora ele adentra de corpo e alma permite-lhe, pensa ele, brincar de ser Deus. Sim, aqui ele é o senhor da razão, ele tudo pode. O poder da quase invisibilidade. Todos sabem quem é ele, no entanto, a tela do laptop lhe da essa sensação de proteção. Ela blinda a pessoa, pensa o nosso personagem. Aliás, personagem não fictício. Ele está por toda parte. Pode ser seu amigo, pode andar ao seu lado. Fazer parte do seu convívio. Você até acha ele legal, gente boa!
Como agora ele está no comando é preciso iniciar rapidamente a farra! Seu corpo parece sair de si. É uma transa, ou um ‘transe’ mental. Então que se inicie o ritual!
O seu poder permite isso. O show da vociferação! O Xingamento! O julgamento!
Então ele clama! Ao digitar chega a gritar consigo mesmo. São todos vagabundos! Morreu? Foi tarde! Demônios! Filhos da Puta! Gente podre, suja, nojenta! Deviam queimar no inferno esses ociosos vadios!
O nosso personagem agora enche o peito, respira profundamente e sente a ira ganhar seu corpo. Malditos, malditos! Ignorantes! Por isso esse país não anda! Por causa dessa gente sem qualidade! Gente feia! Asquerosos e repugnantes! Sim foi isso que digitei ele berra e se orgulha! E redigita agora em caixa alta: V A G A B U N D O S!
As pessoas começam a responder (Lembra? é uma rede social!). Muitos concordando, o que lhe da plena sensação de grandeza. Alguém resolve discordar, tentar argumentar algo. Era tudo o que o nosso ‘Deus’ queria ouvir, ver. É o auge. Alguém para jantar. Mostrar os dentes e as garras. Dar-lhe a chance de descarregar a raiva, o ódio, a repulsa!
Pronto, a adrenalina bateu. Deu um barato.
O nosso bom homem já desligou o computador. Amanhã tem culto, missa!
Tudo pela defesa da política…do próprio umbigo! Estão disseminando a cólera! Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem!