Dom?


Publicado em 28 de novembro de 2014

_ E você soube o que a fulana aprontou agora?” – perguntou a mulher pra sua conhecida, na fila do açougue. A conhecida, que estava acompanhada da filha de 10 anos, respondeu:

_ Seja o que for, não será surpresa. Porque aquela lá tem o “dom” de tornar a vida alheia um inferno…
Ao chegar em casa, a menininha, muito inteligente, falou para a mãe:

_ Mãe, no dicionário a palavra dom significa dádiva, presente. A gente aprendeu isso na escola, mas tornar a vida alheia um inferno é um dom também? – questionou a menina, assombrada com a combinação das palavras dom e inferno que a mãe usara no açougue.
A mãe então, sem saída, começou suas sábias reflexões:

_ Que dádiva pode haver em alguém cujo único propósito seja tornar difícil a vida do outro? Isso é um despropósito, na verdade. É mostrar aos outros que não se é capaz de viver com a felicidade alheia, nem aceitar o fato de que existem pessoas muito queridas e talvez seja o momento de perceber que, se tá todo mundo feliz longe de você, será que tá todo mundo errado? Esse “dom” de transformar a vida alheia um inferno só tem uma finalidade: ajudar a gente a reconhecer as bruxas. Lembra quando eu te contei como nascem as bruxas? Isso foi há alguns anos. O que mudou é que hoje, com a falta de chuva, e com dias tão claros e ensolarados, fica fácil reconhecer quando elas chegam: uma nuvem negra vem junto, em cima da cabeça delas. Elas chegam, a nuvem chega, elas vão, a nuvem vai… Elas acabam vivendo na fumaça negra da nuvem. Não enxergam um palmo adiante, e acabam ficando com aquela cara de maracujá passado procurando uma luz que elas não têm. Por isso que aonde elas vão, elas tentam levar escuridão e tornam a vida de todo mundo um inferno.

_ Nossa mãe! Como a senhora explica as coisas com tanta facilidade! Igual minha professora. E a nuvem fica sempre pequena ou aumenta? – perguntou a menina.

_ Aumenta. Sentimentos e atitudes ruins fazem a nuvem aumentar.

_ Fofoca aumenta, mãe?

_ Sim.

_ Inveja?

_ Sim.

_ Mentira?

_ Sim.

E a cada sim da mãe, a menina se encolhia no sofá da sala, embaixo da grande vidraça.

_ Veja filha. Olha aquela nuvem escura gigante chegando… –bradou a mãe olhando pela janela. A menina arregalou os olhos e perguntou:

_ Será que está vindo alguma bruxa pra cá?

_ Não querida! Vai chover, você não está ouvindo os trovões? Se tiver trovão, é nuvem de chuva. Nuvem de bruxa não tem trovão, nem cai uma gota d’agua.

_ Ah é mesmo. A cara da bruxa fica seca! Olha mãe, pingos de chuva! Uhuuuu!!!
“Nuvem de chuva – pensou a mãe – graças a Deus, nenhuma bruxa à vista”.

 

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