O dia em que a água acabou


Publicado em 6 de fevereiro de 2015

Dona Célia Rodrigues acordou com mais sono que o normal naquele 21 de abril de 2025. Moradora de Iracemápolis/SP tinha o costume de levantar e ir direto para cozinha encarar a pia tomada pela louça do dia anterior. Colocou seu avental, pegou sua lã de aço Bombril (para não se esquecer do simpático careca da propaganda), colocou um pouco de detergente, abriu a torneira e sentiu o gemido profundo do vácuo dos canos. Nem uma gota.

Seis horas da manhã. Zé Miguel Ricardo já estava em seu estabelecimento, uma sorveteria no centro da Praça da Matriz. Naquela segunda-feira era dia de repor o estoque, pois era feriado. Zé Miguel levou um susto quando foi pegar água do filtro para preparar mais alguns baldes de sorvete. A água não estava lá.

Nadador de longa data e altamente disciplinado Matheus Cielo Denardi chegou muito cedo ao Centro de Lazer dos trabalhadores para mais um treino pesado. Até em feriado treinava. Tinha obsessão por diminuir seu tempo. Queria bater o próprio recorde dos 100m livres. Pensou estar sonhando quando viu a água da piscina subitamente desaparecer. Simplesmente secou disse o zelador da piscina.

Maria Zelaide reside numa rua central da cidade e seu passa tempo preferido é azucrinar a vizinhança lavando a calçada de sua casa as quatro da manhã. Mesmo sendo feriado, pegou seu Kit “perturbação, sem noção” que consiste em um balde de alumínio, uma vassoura rosa e um escovão e foi feliz da vida tirar o sono dos pobres mortais vizinhos. Sofreu um infarto fulminante quando abriu a torneira e dali nada saiu. Ainda conseguiu ouvir um pequeno suspiro de ar saindo da boca da torneira.

Naquele dia de Páscoa a cidade sofreu o seu maior acidente. O prédio localizado na frente da prefeitura municipal foi vítima de um incêndio repentino. Por volta das catorze horas o corpo de bombeiros foi acionado. João Pedro, oficial do destacamento foi o primeiro a chegar ao local. Sem perder tempo acionou a mangueira do hidrante e aguardou. Nem sinal de água.

Pedro Amarante, respeitado dentista, pediu ao seu paciente que abrisse o “bocão”, para esguichar água. Achou que o motor do esguicho estivesse com problema. Sua secretária surgiu aos berros esbravejando: Deu na notícia, acabou a água do estado inteiro.

Rodolfo, viciado em carros e ostentador de seu veículo Honda Civic zero km pensou estar delirando quando recebeu a notícia do seu lavador de carros de que por falta d’água não prestariam mais o serviço combinado naquele feriadão.
As escolas dispensaram os alunos. As empresas deram férias indeterminadas para os funcionários. As igrejas fecharam suas portas. As pessoas atônitas andavam pelas ruas.

Vinte e oito de janeiro de 2015, uma senhora posta no facebook: “Vou gastar água mesmo. Não economizo não. Não estou nem ai. Dane-se a prefeitura, o governo, o vizinho. Lavo a calçada, lavo o carro, o quintal, o gato e o cachorro. Tomo banho demorado. Quero ver quem vai me impedir. Podem multar!”

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